quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

No tempo da indelicadeza


Já nos idos 70/80, o cineasta Glauber Rocha, enquanto crítico, alertara para o modismo da violência nas grandes telas. De lá pra cá, é triste constatar que nada mudou; provavelmente a tendência foi agravada. Num artigo do seu imperdível O Século do Cinema, Glauber discorre sobre o perfil ideal do herói norte-americano: homem belo, forte, com grande senso de justiça e sanguinário. E como a platéia vibra com ele - e com o sangue alheio! Antes mesmo de Roma atirar os cristãos aos leões sob gritos de euforia, já era sabida a curiosidade mórbida que habita cada um de nós. Afinal, a morte é parte fundamental da vida; é natural que seja assim. Triste é saber que pensam tanto em lucro quando se trata de explorar esses instintos mais desumanos; que seja preferível causar o temor, sentimentos sádicos no espectador, quando se poderia despertar a mais bela das sensações através da grande tela.

Para além da violência e o sadismo, o cinema em geral foi se tornando, após o período da morte sentida de Glauber, mais e mais acelerado. O gênero dos filmes de ação foi consolidado e também os chamados thrillers de suspense, cada vez mais envolventes, assustadores, dominando com suas poderosas garras os complexos de salas de cinema. No Brasil, a moda justificada dos filmes que recontam a marginalidade não economiza em sangue, suor e tiros; nunca tantos foram mortos pelas telas do cinema brasileiro. Ora, talvez eu esteja exagerando, ou soando moralista demais; mas a cada vez que vejo uma lista ininterrupta de cartazes, todos de "filmes-de-arrancar-o-fôlego", ainda é difícil não arrancar o meu. Sou daquelas que lamentam; não tanto por um tempo que se foi (como a era de ouro do cinema hollywoodiano), mas pelo que poderia ser. Nesses momentos, me vêem à mente a sutileza da troca de olhares de um casal em Wong Kar-wai, os passeios contemplativos à beira-mar num filme de Angelopoulos, ou a histeria ingênua das mulheres almodovarianas. São todos seres solitários, recolhidos num canto mais alternativo, ou relegados à condicao de exibição num período e sala pequenos demais para a sua beleza.

Se interessa ao público menos assistir a filmes assim, não é somente pelo desejo sádico de ver sangue escorrendo pelas telas; do alto da minha psicologia de botequim, eu diria que o stress nas grandes cidades só vem aumentando, assim como o ritmo dos movimentos das ruas, carros e pessoas. É a era da ansiedade, que precisa ser realimentada constantemente por drogas, buzinas e coisas como filmes de ação, suspense, terror ou o que valha. Triste destino. Nunca se ouviu falar em tantos consultórios de psicologia, anti-depressivos, terapias alternativas, yogas e afins; é o que resta aos mais saudáveis que, conscientes de que vivemos a era da ansiedade, buscam o oásis em um filme ou arte mais contemplativos.

Penso agora que talvez tenha escrito tudo isso, inconscientemente, em defesa de uma personagem, o protagonista do meu roteiro de longa-metragem. Homem delicado, sensível, marcado pelas agruras da família e da vida - tal qual o jovem Franz Kafka, cujas confissões pessoais me inspirei - é um ser que nao consegue se adaptar a esse mundo. Pior do que isso: foi esmagado por ele. Mas isso ja é assunto para outra postagem. :)

Julia Lima

8 comentários:

André Setaro disse...

Quero agradecer a gentil visita que fez a meu blog. E vim aqui conhecer o seu, que gostei bastante, você escreve bem, revela capacidade de perceber a poética que emerge da arte do filme. E não somente do filme, pois venho a notar a sua predileção pela literatura. 'À margem do tempo' é um exemplo, pois se inspira no bruxo argentino e tem muitas citações de obras literárias. Lembro-me de Ivan Ilitch, de Tolstoi, que comprei recentemente para relê-lo, "a coleção de Machado de Assis" na terceira estante, Yeats, etc. Sim, é verdade o que disse no 'post': para o ator, fazer cinema é esperar pela próxima tomada. Isso se aplica a qualquer filme.

PISD disse...

Bom, eu tenho uma certa aversão aos filmes hollyoodianos - sem querer generalizar, mas já generalizando. Tenho uma preferência absurda pelo cinema euporeu, Alomodóvar ainda é, pra mim, um grande diretor porque ele tem uma forma única de retratar o cotidiano que os outros diretores não têm. Eu me vejo muito nos personagens de Almodóvar e não apenas pelas estórias, mas pela forma como as cenas dele são conduzidas. A maneira como ele aborda as cores também me impressiona! Por muito tempo ouvi falar de Glauber Rocha, mas nunca soube quem era. Perdoe a minha ignorância, mas eu me deixo encantar mais pela atuação dos personagens do que pela forma como um filme foi dirigido. Tem muito a ver - ou quase tudo a ver - com o campo de atuação de cada um. É natural que você, como cineasta tenha uma visão mais ampla do que eu, como ator. Não que eu esteja me limitando, mas falo por uma questão de interêsse mesmo. =)

DieGo Albuquerque disse...

Di, sou eu!
Rá... agora tenho blogspot também! =D

Julia Ferreira disse...

Di, Almodovar eh mesmo sua cara!!!rsrs Ainda quero te ver atuar num filme dele!
Beijinhos :)

DieGo Albuquerque disse...

Ôh, gata!
Deus te ouça! (hahaha)

Ana Camila disse...

Vixe, discordo de tanta coisa que nem sei por onde começar! Mas acho que nem vou começar, hehehe, já discutimos tanto sobre isso... Dá até preguiça...

Julia Ferreira disse...

Camila, ja sabemos que temos opinioes opostas sobre essas questoes do post...rsrs
Devo confessar que tenho um codigo moral rigido no que diz respeito a arte e aos artistas; a maioria nem sequer pensa nisso. mas enfim, a conversa eh longa...:)
bjo!!

gama8 disse...

Julia LIma, meu nome é Renato Gama serei seu parceiro no projeto da Casas das Rosas, musica e poesia meu e-mail é renatogama75@hotmail.com. bjs