segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

As pegadas de Win Wenders

Se é para falar de arte, nada como mencionar o cineasta alemão Win Wenders. Sempre acreditei, como aspirante a roteirista e cineasta, que tinha um processo de criação esquisito. Descobri que Wenders - pelo menos algo em comum, que honra!! - também sofria do mesmo problema desde os tempos de faculdade.

Na verdade não se trata de um problema, mas algo inusitado. Ele diz numa palestra que não costuma se apaixonar meramente por histórias, como a maioria dos diretores de cinema e romancistas; sua vontade de filmar surge geralmente a partir de lugares por onde anda. Comigo é muito parecido: um vento frio numa rua deserta, o homem solitário da cafeteria, uma luz de abajur na parede, a cortina branca voando numa janela de hotel...são os locais, e mais do que isso, as sensações que eles imprimem, a "atmosfera" deles que me faz querer fazer um filme. E assim, já imagino quem viveria ali, como seria seu dia-a-dia etc.

Outra coisa parecida é que as personagens de Wenders tendem a crescer mais do que o próprio enredo. Ri muito quando li isso, porque tenho uma gama de personagens órfãos de historia, mas que saberia dizer de cor como reagiriam em cada situação de suas vidas. Muitas delas são inspiradas em pessoas que conheco, outras em sonhos e vivências, mas todas identificadas com traços da minha personalidade - apesar de nao ser exatamente uma esquizofrênica...hehe!

Embora guarde sempre um desejo obssessivo de criar sei-lá-o-que, cheguei a pensar que teria mais talento como psicóloga do que roteirista, tantos eram as personagens que vagavam sem rumo pela minha mente. Até que entendi que meus filmes não precisam de muitas reviravoltas - os famosos plot-points dos manuais de roteiro. Não, não. Haverá histórias, mas elas estarão antes de tudo impressas nos gestos, no olhar, e quem sabe mesmo no vazio de um deserto americano por onde perambulou Travis, de Paris, Texas. Ali, na imensidão seca, sem muitas palavras, seu olhar perdido reconta toda a sua história de vida. E nada mais precisa ser dito.

Como Wenders - uma de minhas maiores inspirações -, quero desnudar a alma das personagens, com a maior sutileza e riqueza de imagens que puder, e assim recordar nelas o que já sabia sobre mim e a vida. :)


Julia Lima

3 comentários:

DieGo Albuquerque disse...

"A 'atmosfera' deles que me faz querer fazer um filme."

Acredito que quando existe uma paixão nata pela arte - seja ela qual for - as idéias surgem expontaneamente no campo de atmosferas porque a visão do artista já é diferente da visão daquele que não tem sensibilidade para enxergar o belo (implícito ou não) naquele determinado ambiente. E a sensibilidade ainda é a chave-mestra para o sucesso!

Unknown disse...

ju
Veja A casa de Alice
Mais um exemplo de que não precisamos de muitas histórias... Num contexto, um olhar diz muito.
Outro exemplo que vi recentemente é Cidade Baixa de ´Sérgio Machado. Tensões, emoções em super closes e tudo está dito.
saudade... adorei que vc tenham criado este espaço.

NN disse...

Ju, nao sei muito o que dizer, pois nao conheco muito a obra de Win Wenders...Mas tb acredito que o processo criativo pode - e deve -ser concebido atraves da maturacao das sensasoes (ou atmosfera, como diz). Acredito, como muitos, que emocionar deve ser o maior objetivo da arte. E se a brisa pode servir pra isso, por que apelar para o tornado?

Bjo.