sábado, 12 de janeiro de 2008

O Mar de Sophia


O mar tem uma grande importância em minha vida, e acredito que na vida de muitos. Vivendo na Europa, distante das águas e do sol de Salvador, devo afirmar que não é só a saudade de mergulhar naquelas ondas, com temperatura e cores perfeitas, que me fez escrever esse texto. Criada numa cidade quase cercada de mar por todos os lados, posso dizer que ele rodeia quase constantemente os meus sonhos. Sim, falemos mais uma vez, brevemente, de sonhos: em 90% deles, as desavenças, perseguições, vôos, sexo, lutas, tudo que sonho acontece dentro do mar. Algumas vezes, o cenário sofre variações, tornam-se piscinas ou rios, para então desaguarem novamente em oceanos. Estranha obsessão. Os psicanalistas diriam que o mar é como o inconsciente, e aquele que sonha como um ser em busca de melhor conhecê-lo, mergulhando nas profundezas irracionais do seu intelecto. Devem estar certos.

Não por acaso, as águas estao sempre presentes nos meus filmes, realizados ou não. De início, era uma coisa inconsciente; hoje sinto falta do mar em algumas cenas, e acrescento-o como uma parte de mim. O primeiro filme que realizei, baseado num conto de Jorge Luís Borges, trata da história surreal de um homem que depara-se consigo mesmo quando jovem, numa praça em frente a um rio. Os closes das águas no filme simbolizam o tempo que passa, e fiz questão de modificar o cenário para um lugar deserto e paradisíaco, na areia branca, onde ocorre o encontro do rio com o mar, o jovem e o velho, o passado e o presente, entre outras dualidades do filme, intitulado À Margem do Tempo.

O mar também está presente de maneira quase obsessiva na cultura portuguesa, cujas águas são mais frias, mas nem por isso menos belas. Basta uma rápida passagem por Lisboa para conferir a eterna nostalgia lusitana do período das grandes navegações, presentes nos monumentos, exposições, arquitetura, em que proas de navios enfeitam topos de edificações, e estátuas de homens descomunais da idade média se dirigem ao mar em busca do desconhecido. Talvez seja desconhecido a palavra que melhor sintetiza o imaginário sobre os oceanos; e quanto mais sonho com eles, mais descubro sobre imagens e sensacões secretas do meu inconsciente.

Em minhas descobertas dentro e fora de mim, acabei ancorando na terra das grandes navegações, e encontrei um povo tão apaixonado pelo mar quanto eu. Mas o melhor foi ter-me deparado com uma mulher muito especial, cujas palavras vem povoando minha mente: Sophia de Mello Breyner Andresen. Tradicional escritora portuguesa, muito prestigiada aqui - e pouco conhecida no Brasil -, romancista, poetisa e contista, Sophia me comoveu com seu encantamento pelo mar, que dá o titulo a um dos seus livros de poesia mais conhecidos. Transcrevo abaixo, em sua memória, um trecho que faz transbordar emoções a cada vez que o leio:


"Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar".


Sophia de Mello Breyner Andresen