(trecho inicial do novo conto)
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Garimpo, Carybé |
Mariá
nem era Mariazinha, era Mariiinha, mesmo e já era sabida, buliçosa que só ela e não
é que encontrou pedra, pedra graúda? E aquilo era brilho, era brilho. Mariinha
que não fazia nada que prestasse, parecia menino quando corria suja de terra, se
enfiava nos buracos, descalça e nem camisa botava, era só a boca de sujeira seca no canto,
cabelo bichinhado e sei que mexia e botava a mão onde não podia. O olho, o olho era
mais estranho que luzia, ninguém nunca viu
ali no interior aquela cor brilhando dentro do olho, cor de pedra. E o cabelo era marrom queimado, daquele
sol que se acabava na estrada de chão e fogueava tudo, amorenando menino, areia
vermelha de sol que desmaiava povo de fora do interior e caía
tudo duro no chão. Mariinha era danada igual menino, Mari-inha, a gente chamava, que nem a mãe
entendia como se era isso, só chamava Mariá e pronto, mas o resto
chamava assim.
Um
dia Mariinha viu uma coisa que brilha e muito graúda, parecia tesouro, coisa
que ladrão e garimpeiro não se via e se leva de uma vida para ver. As gentes do
garimpo, o pai dela, eles todos fazia de um tudo pra encontrar e bem que
tentasse uma pedrinha nos rios, um brilhozinho de pedra, mas foi a menina
buliçosa com outro menino da Ponta que viu, quis pegar e não deu, que chegou
gente no cavalo e foram embora. E era brilhante e era escondido e sujo de terra,
mas brilhava era muito, muito dinheiro. O pai que não acreditava, a mãe ralhou
e fez pouco, mas os meninos dizia que tinha pedra brilhante do outro lado do
rio, tinha, sim, e que luzia de arder olho de menino. O pai pegou foi a pá de
lixo enferrujada, nem tirou o lixo de cima e deu surra em Mariinha que sujou a
casa toda. Era para Mariinha parar de falar mentira do que não viu e não andar
se enfiando pelos matos, que aquilo lá era coisa de menina, menina ajuda é a
mãe em casa, menina faz é bolo igual às irmãs faz, que dasse de comer pra
os patos que era uma fome só, lavar a pia, que a casa, aquilo tava uma
imundície. Mariinha chorou e limpava o chão e chorava, limpando e chorando e ficou
uns dias que não queria ver o pai que não podia.
E ela
foi ajudando a mãe, ficou foi muito tempo sem ver o menino da Ponta, que também
queria voltar e pegar a pedra mais ela e vender e ficar rico, os dois. Era ir
pra o outro lado e pegar a pedra, entrar na fazenda velha que ninguém ia, os
meninos miúdos se arrastando por debaixo da cerca pra o arame não cortar, junto
daquele hospital que o pai foi quando ficava doente de rim. Se Mariinha
atravessasse rio, virasse vento, pulasse cerca de fazenda que o pai deixasse,
ela pegava aquele tesouro e dava pra pai e mãe, porque pai e mãe é o que vale
na vida, isso é que é. O resto ela dava era pra o povo dali que até a água de
beber tinha secado, mais de três anos que não tinha nem verde, nem nada, uma
luta pra achar uma manga de pé, era só folha seca que se pisava e chegava
estalar de tão seca. Na Ponta também tava assim, o menino dizia, faltava o tudo
que não tinha, não tinha pra quem desse.
3 comentários:
Belo, tocante, vivo! Você sabe que eu me identifico com essa linguagem, com essa vivência de terra, com essa vivência de roça, de interior. Eu amo a musicalidade que você construiu para o narrador e amei as outras vozes sobrepondo-se às do narrador - "isso lá é coisa de menina", por exemplo.
Obrigado pelo prazer que me proporcionou com esse texto. Por favor, termine-o logo, rs.
É um belo conto, Mariiinha!
Gosto muito. Promete
´Vais ser uma grande escritora.
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